Diogo Beja: O estudante do “Técnico” que vive o sonho de criança
- Miguel Laia
- 7 de jun. de 2019
- 11 min de leitura
Atualizado: 2 de set. de 2020
Provavelmente se ligar a Rádio Comercial ao final do dia, por essas 17 horas, irá ouvir alguém que, apesar de ter tentado tirar o curso de Engenheira Informática, nunca conseguiu escapar à perseguição do icónico “bicho da rádio”. O seu nome é Diogo Beja, locutor da Rádio Comercial. O que gosta verdadeiramente de fazer é de comunicar, de ligar as pessoas através da mística da rádio. Para descrever esse seu sonho de criança, bastam poucas palavras: “Era uma paixão, uma coisa que queria mesmo fazer, era um sonho”, refere.

Antes da entrevista começar, e com dificuldade em esconder a minha curiosidade, tive de fazer uma pequena pergunta ao Diogo – “É bom estar de volta?” – a sua reposta, que se encontra transcrita a seguir, deu logo mote para uma pequena conversa. A comunicação é mesmo algo intrínseco nele. O espaço onde nos encontramos é de nostalgia, a entrevista decorre na Rádio Zero, no Instituto Superior Técnico, local que traz boas e más recordações a Diogo Beja.
“Quero dizer que nunca fui Dono Disto tudo, mas efetivamente estudei e andei cá. Fui diretor de programação da rádio daqui, que ainda era a Rádio Interna do IST, era a RIST. E havia um jingle muito parvo que eu fiz na altura, em que havia uma miúda que se ria e depois ouvia-se uma voz que dizia “Riste?”. Demasiado forçado. Hoje a Rádio Zero é efetivamente uma rádio mais organizada, tem um estúdio decente, nós tínhamos uma arrecadação ali na entrada ao pé do bar. Transmitíamos para as colunas no Técnico, o que irritava as pessoas, especialmente as que estavam no bar e não queriam levar com a música. Estavam sempre a bater à porta e a dizer: ‘Podem baixar a música?’”.
E como é que é estar de volta ao Instituto Superior Técnico? Uma casa que já foi tua.
Eu venho cá muitas vezes. Do “Técnico”, em si, eu tenho muito poucas saudades. Eu sempre gostei de Informática, vim para aqui para estudar essa área. Fiquei entre o segundo e o quarto ano, que é assim um limbo muito grande. Isto porque as [“cadeiras”] de Informática ia fazendo, e deixava as Matemáticas por fazer. Sempre que entro aqui lembro-me do meu pai a dizer - “Devias ter terminado o curso, devias ser engenheiro” - mas depois o meu irmão tirou o curso de Engenharia, portanto há um na família. Gosto sempre de vir aqui porque acho que a Rádio Zero é um polo interessante para pessoas que queiram produzir conteúdos e não têm sítio para o fazer. Isto aqui é um porto de abrigo e acho isso importante, é bom porque faz com que as pessoas consigam mostrar a sua qualidade em algum lado.
Como é que na altura um estudante do “Técnico” de Engenheira Informática, se aventura no mundo da rádio?
Na verdade, o “Técnico” veio depois da rádio. Eu comecei a fazer rádio com 15 anos. Nessa altura a Informática já tinha surgido na minha vida, surgiu aos 11, quando eu quis trabalhar na escola e fiz um curso de computadores em Santarém. Já andava a programar umas coisitas. O destino do Técnico e da Informática já estava mais ou menos presente. O problema é que aos 15 anos surgiu a rádio e, a partir desse momento, houve assim um tornado na minha cabeça, ficou tudo virado de pantanas. Era uma paixão, uma coisa que queria mesmo fazer, era um sonho. As pessoas hoje falam dos sonhos tornados realidade, a minha vida é um bocado isso. Eu estava aqui com 20 anos e já estava a desistir do sonho da rádio. Tinha estado aqui na RIST, mas não tinha resultado bem, e eu fazia umas coisas assim pequenas numa rádio em Santarém, a 2000. E nessa altura um colega meu de casa, eu vivia aqui perto na [rua] Morais Soares, é que me aparece com o Blitz, o jornal na altura, com um casting da Rádio Comercial. E eu fui entregar uma cassete e um currículo 10 minutos antes do prazo final. Nunca mais esqueci essa data: dia 15 de novembro de 1999 ao meio dia e 45.
Tens boa memória, Diogo?
Tenho boa memória, por norma. É chato porque vejo uma matrícula e fico com ela gravada, eu tento não me focar nessas coisas, o certo é que, muitas vezes, guardo porcarias que eu preferia normalmente não guardar. Decorei estas datas porque foram importantes para mim. A “Comercial” era a rádio que eu ouvia na altura, era onde queria trabalhar, porque era onde estavam as pessoas que eu admirava. Ir a um casting onde estão mais de 400 pessoas e ficarem só duas pessoas, foi incrível. Quando recebo a chamada nesse dia para ir à entrevista fiquei estupefacto. Depois entrei oficialmente dia 15 de dezembro, foi um processo de um mês. A minha primeira emissão foi no dia de Natal, vim de Santarém na véspera de Natal de casa dos meus pais. Depois no dia de Natal às sete e tal da manhã estreei-me na Rádio Comercial às 10 horas da manhã, era o meu presente de Natal.
Se não tivesses seguido rádio, a carreira como basquetebolista tinha sido uma boa hipótese?
Nunca teria dado, porque basta olhar para mim para perceber isso, primeiro. E, segundo, porque eu não era assim tão espetacular quanto isso. A equipa onde jogava era boa, eu entrava sempre no 5 inicial, curiosamente. Posso dizer-te que na minha folha de registos nos dois campeonatos que joguei ali na zona distrital de Santarém, devo ter feito no máximo 8 pontos. Mais tarde, os meus pais tiraram-me do basquetebol porque chegava tarde a casa dos treinos, por volta da meia-noite. Deitava-me tarde e depois no dia a seguir estava cansado.
Referiste recentemente numa entrevista a um amigo meu que “as melhores conversas que existem são com o microfone desligado”. Foi também por isto que criaste, juntamente com a Joana Azevedo, o podcast ‘Cada um sabe de si’”?
Foi exatamente por isso. Porque nós estávamos a fazer o “Já se Faz Tarde” e muitas vezes a recebermos mensagem a dizer: “Estão a falar muito”; “Passem música”; “Já chega”; “as pessoas não querem saber”. Essas mensagens eram umas correias que nos prendiam. Se tu estás sempre a sentir que te estás a autocontrolar porque pode haver uma reação a seguir, tu nunca estás a fazer aquilo da forma correta, estás sempre a autocensurar-te antes de fazeres o quer que seja. Tínhamos alguma liberdade, mas sempre que abríamos a boca sabíamos que a coisa não poderia ser como queríamos. Estávamos um bocado presos, mas como fomos criando uma ligação, a coisa correu bem, fomos criando uma relação de amizade e essa química foi-se notando. O podcast foi a constatação disso mesmo, o que nós falávamos em off deveria ser gravado. Isto é que é o programa. Fizemos o podcast e a coisa correu bem. Esta parvoíce que é conjunta foi-se notando e acho isso chamou a atenção para aquilo que nós fazemos na rádio. Por outro lado, fomos conseguindo número bons. E a partir do momento que temos números, temos créditos, vamos esticando mais a corda. Até às audiências que saíram esta semana, éramos o programa mais ouvido do país. O programa e o podcast começaram por tornar-se algo simbiótico, uma coisa vai potenciando a outra. Posso dizer que no podcast falamos de coisas que vai ligando as pessoas.
Sei que agora és youtuber. Como é que tem sido essa experiência e a aceitação do público?
A aceitação do público não é em grande massa. Eu não tenho propriamente visualizações até perder de vista, ou imensos subscritores. Se bem que eu na altura quando comecei achei que ia ser fácil. O que é certo é que, quando eu lancei o primeiro vídeo e publiquei aquilo nas redes, no Twitter e no Instagram, rapidamente cheguei aos 600 subscritores, foi assim um salto muito algo. Pensei: “Isto vai ser rápido, vou chegar aos 1000 subscritores facilmente”. O que é certo é que ainda não lá cheguei, estou nos 900 e tal. É uma caminhada longa porque tem a ver com consistência, que é uma coisa que eu, por causa do curso de fotografia que estou a tirar, não tenho conseguido cumprir. Em termos de público tem corrido bem. A minha filha é a melhor gestora de Youtube que eu conheço, ela vai lá e diz: “Pai, não tens nenhum deslike neste vídeo”.
E o curso de fotografia, tens gostado de fazer? Como tem sido?
A fotografia já uma coisa antiga, mas nunca foi algo que tivesse explorado muito. A dada altura já tinha uma câmara, e decidi aprender a usar aquilo em [modo] manual e fui tirando uns cursos. O que é certo é que eu agora olho para as fotografias que tirava antes e para as que tirei nos últimos tempos, e são duas pessoas diferentes. Sinto a evolução. Agora, tiro menos fotografias, mas penso muito mais antes de fotografar. É fácil tu tirares algumas “fotos” engraçadas, se tirares 1000 fotografias, estás sempre a disparar e alguma vai ficar boa. Hoje penso mais na composição, no ângulo, em outros pormenores.
Agora uma pergunta cuja resposta dava para cinco horas de conversa… o que é para ti a magia da rádio?
Foi bom teres usado a “magia” e não o “bicinho” da rádio (risos). É difícil explicar isto. Eu, felizmente, de vez em quando, consigo sair do meu corpo, ou desta existência e olhar para isto de uma forma geral. E gosto de pensar: “Isto realmente é fixe, é porreiro”. Quando eu era um “puto” de 15 anos que comecei a fazer isto e queria fazer disto a minha vida, é bom dizer, eu consegui. Mas como é o trabalho do dia a dia, nem sequer pensamos nisso. Às vezes faço aquilo como se trabalhasse num talho e tivesse de cortar carne o dia todo, é um trabalho como os outros, tens um horário para entrar, uma hora para sair e temos uma tarefa a cumprir, ou várias. Eu já não penso tanto em magia, penso em magia depois quando fazemos pequenas coisas, por mais pequenas que sejam, que há depois uma reação por parte das pessoas, e eu penso: “São estas coisas que valem a pena, são estas coisas que nos levaram a fazer isto, que ainda hoje fazem sentido para nós”. Mesmo para as pessoas, a rádio já não é essa coisa assim tão mágica quanto isso, pois já não há aquela coisa de não conhecer a cara dos locutores. A rádio tende a ser mais visual. Apesar de as pessoas continuarem a ir para o trabalho a ouvir rádio, a sair do trabalho a ouvir rádio, a querem saber onde é que há transito, daqui a uns anos os carros virão todos com internet, podes ter uma ligação no carro e obter a mesmo informação que se obtinha através da rádio. Eu acho que a rádio também tem de dar conteúdo e alternativas nesse sentido. A Rádio Comercial tem ajudado nisso, agora temos as rádios web, temos muitos podcasts. É obvio que eu fico feliz da vida se alguém que conte para as audiências, disser que ouviu a Comercial porque ouviu o Diogo e a Joana a fazer uma entrevista ao Diogo Valsassina, ou quem quer que seja, porque é um produto da Rádio Comercial. Continuamos a fazer rádio, apesar de não ser no formato tradicional.
É um tema muito abordado, se há futuro na rádio…
Se há coisa que a rádio já provou é que nós somos tipo as baratas da comunicação. Já nos tentaram matar várias vezes, mas a verdade é que a perna começa a mexer e lá vamos nós outra vez para o buraco. Eu a esse nível já nem sequer discuto. A nível nacional, olhamos, e as televisões estão mais atrasadas do que nós. Já estamos a aceitar esse futuro há mais tempo e a trabalhá-lo nesse sentido. Eu quando vejo uma emissão da TVI ou da SIC, eu sei que eles têm os meios e deveriam ser pioneiros nisso, as televisões têm de assumir de uma vez por todas que têm de ser produtoras de conteúdos. A televisão tradicional está-se a esmorecer, e as estações de televisão não se estão a aperceber disso. Eu se fosse administrador da SIC, por exemplo, já tinha construído uma plataforma onde as pessoas pudessem subscrever conteúdos e verem o que quiserem. Hoje em dia associa-se a qualidade a uma marca, por exemplo a Netflix, e as pessoas vão lá ver sempre.
O próprio Pedro Ribeiro, em entrevista para os 40 anos da Rádio Comercial, disse que é tão fácil fazer-se rádio, é só ligar dois cabos e funciona, muito mais fácil que a televisão.
Eu quando dou o curso de rádio, digo aos meus alunos, qual é o meio mais rápido para cobrir um evento? Agora com as redes sociais, com a fotografia, pode-se fazer essa cobertura. Mas, a rádio é muito mais fácil, tu chegas com um telemóvel a qualquer lado e estás a fazer uma reportagem em direto para a rádio. Não é que a televisão não o possa fazer, mas vai ter de ir buscar a fotografia, criar um mapa, um grafismo. A rádio sempre teve essa facilidade.
Costumas ouvir a rádio Comercial, em casa, no carro e em todo o lado?
Sobretudo, no carro. Em casa apenas de manhã quando me estou a despachar. Quando acordo gosto de ouvir a Rádio Comercial. Eu preciso de ouvir o programa da manhã, porque eu, muitas vezes à tarde, gosto de referir que na manhã o Vasco [Palmeirim] disse alguma coisa, ou eles fizeram alguma piada, convém ouvir para fazer isso. Normalmente no resto do dia não tanto, porque, na verdade, as músicas que passamos são as mesmas 250 a 350 vezes. Eu conheço-as e vou a ouvi-las durante o programa, portanto não vou precisar de as ouvir quanto estou no carro, pelo que opto por ouvir podcasts, pessoas a falar, é o que eu gosto. Quando estamos no estúdio a última coisa que fazemos é prestar atenção à música que está a passar, por incrível que pareça. O programa é preparado antes e tudo corre na normalidade.
Brincando com o nome do teu programa com a Joana, quando é que já se faz tarde para o Diogo Beja?
Faz-se sempre porque estou sempre atrasado para tudo, na verdade. Adormeço tarde, mesmo quando fazia as manhãs, eu acordava às 5:30 quase 6 da manhã e ia para a cama sempre à 1/1:30, dormia quatro horas. Depois ao fim de semana compensava um bocadinho. Eu durmo pouco.
Sei que és um consumidor acérrimo de séries, qual é a tua série favorita?
Tenho imensas. Para as diversas fases da minha vida, tenho as minhas favoritas. Por exemplo, quando andava aqui no Técnico, era claramente o Seinfeld. Dava todos os dias à noite na TVI, mas todos os dias dava num horário diferente: nos dias bons dava às 23:30, nos dias maus dava às 2:30 da manhã. E ali na [rua] Morais Soares nós ficávamos, religiosamente, até essa hora a ver qualquer coisa que tivesse a dar até começar essa série. Essa foi a série que mudou a minha vida. Se tivesse que escolher da década a seguir, escolheria o Supernatural e o Boston Legal.
Que projetos tens pensados para o futuro?
Talvez viajar. Eu divorciei-me há cinco anos, depois tive numa relação que durou três anos e estou separado há dois. Eu habituei-me sempre a fazer coisas com alguém, mas antes de estar casado, durante muito tempo, fazia coisas sozinho. Mas estava completamente desabituado. Só no último ano é que eu finalmente me habituei novamente a fazer coisas sozinho e estou completamente a marimbar para isso, vou sozinho para qualquer lado. A câmara permite esconder isso, ando com a câmara e ninguém me vai chatear o juízo, coloco os auscultadores, estou a ouvir podcasts, estou na minha. Andei em Berlim e, retirando os restaurantes, os hotéis e pouco mais, eu não tive que interagir com as pessoas. Eu sei que é estranho uma pessoa que trabalha em rádio e que gosta de comunicar, mas eu gosto de comunicar quando estou em frente ao microfone, fechado num estúdio, quando nos levam para o exterior, é desconfortável. Mas, voltando à questão, agora quando faço viagens, penso se consigo fazer um vlog daquilo, porque eu também tenho de pensar em conteúdos que as pessoas queiram ver, que sejam relevantes e que traga visualizações, subscritores, para o canal crescer. Com trabalho e consistência, os canais crescem. Com pouco investimento consegue-se fazer um excelente trabalho, é o que tento fazer. Mas o futuro, até que a rádio me queria, passa por lá, e pelo youtube, também. Não quero ser influencer, ou ganhar dinheiro com aquilo, quero juntar pessoas que tenham a mesma motivação que eu e produzir vídeos para pessoas, gostava de poder contar estórias.
Por Miguel Laia
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